quarta-feira, 15 de agosto de 2007

"Em trilha de paca, tatu caminha dentro"



Na Internet, pululam textículos meus que não são meus.
Hoje não tem estilo, não tem capricho, não tem figuras de retórica; nada de metáforas, metonímias, catacreses ou aliterações chiques como : “Rara, rubra, risonha, régia rosa!” ou “Na messe, que enlourece, estremece a quermesse”.
Hoje vai tudo em bruto, em rascunho, porque descobri na Internet que sou uma besta quadrada mesmo (dirão meus inimigos: “Finalmente, ele se encontrou...”). Eu tenho traçado mal traçadas linhas há treze anos (gente...eu escrevo em jornal desde 1991!...) numa media de 60 artigos por ano, o que totalizaria 780 artigos caprichados, e descubro aterrado na Internet que sou um animal, um forte asno. Explico por quê.
Ando pela rua e as pessoas me abordam: “Adorei o seu artigo que está circulando na Internet! Maior sucesso!” Pergunto, já com medo: “Que artigo?” “Esse texto genial que você escreveu e que todo mundo me mandou. Chama-se “Bunda Dura”.
Imediatamente, sinto-me irreal: “Eu sou eu, ou sou outro?” Por um instante, penso que tenham re-nomeado algo que escrevi, mas respondo: “Não fui eu quem escreveu esse texto!” Digo isso envergonhado e vagamente agressivo para a pessoa, que logo replica: “Puxa!...mas o texto é ótimo, adorei o “Bunda Dura”! Aí, não agüento e digo: “ Você acha que eu ia escrever uma bosta dessas?” Aí, o admirador do texto apócrifo, o fã de um jabor virtual se encolhe meio ofendido, flagrado em sua desinformação: “Mas...tem coisas legais...” E eu , implacável: “É uma bosta!” Aí, o sujeito sai sorrindo amarelo e vira meu inimigo para sempre.
Vejam o efeito da burrice “serial”: um burro me falsifica, um outro gosta e quem paga o pato sou eu. E fico mais invocado ainda porque capricho muito quando escrevo nos jornais, vocês nem imaginam. Considero o jornal um suporte genial, pois somos lidos por milhares toda semana e podemos falar do mundo ainda quente, sem a busca por transcendências perdidas, tanto assim que se eu fizer um romance ou um poema épico em 11 cantos, tentarei escrever com a simplicidade leve que busco em meus pobres artigos. Mas, o que realmente me encafifa é ver um clandestino simulando o que eu tenho de pior e também porque sou amado pelo que não sou.
Esse texto da “Bunda Dura” está famoso. Toda hora alguém me elogia. Há trechos assim:
“Tenho horror à mulher perfeitinha. Sabe aquele tipo que faz escova toda manha, tá sempre na moda e é tão sorridente que parece propaganda de clareamento dentário?”.
E, só pra piorar: tem a bunda dura!!! Mulheres assim são um porre. Pior: são brochantes!”
Aí, a admiradora de bunda caída repete, feliz: “Adorei!”.
A primeira vez que saiu um troço desses (vou escrever de qualquer jeito...) eu encuquei, fiquei na maior bronca e esculachei o carinha que “me tinha metido nessa canastrice” (sacaram os cacófatos?) , pois o dito texto esculhambava a linda amiga Adriane Galisteu. Companheiro leitor, (serei chulo) tu num sabe o bode que essa parada deu, porque o elemento apocrifador era um coleguinha jornalista que publicara aquilo num outro jornal, que eu não sabia. Caí de pau no cara e isso me meteu num “cu-de-boi” chato pra cacete e tive de escrever outro artigo para me explicar para a Adriane.
Outros textículos rolam na Internet. Chega a menina sorrindo pra mim: “Rapaz...finalmente alguém diz a verdade sobre as mulheres na Internet! Mandei isso pra mil amigas, principalmente naquela parte que você diz: “Elas são tão cheirosinhas... elas fazem biquinho e deitam no teu ombro...” “Não escrevi isso...”, respondo. “Não seja modesto! É a melhor coisa que já fez!... Olha só essa parte em que você diz: “Elas têm horror de qualquer carninha saindo da calça de cintura tão baixa que o cós acaba!”...
“Eu jamais escreveria ‘cós acaba!’” “Nem vem... é teu melhor texto...” - e vai embora rebolando feliz...
E não publicam só textos safadinhos, mas até coisas épicas, como uma esplendorosa “Ode aos Gaúchos” que eu teria escrito, o que já me valeu abraços apertados de machos bigodudos em Porto Alegre, quebrando-me os ossos: “Tchê, tua escritura estava macanuda , tri-legal!” Eu nego ter escrito aquele ditirambo meio farroupilha aos bigodudos, mas nego num tom vago, para não ser esculachado: “Tu não escreveste? Então tu não amas nossas “prendas” lindas, e negas ter escrito aquele pedaço em que tu dizes “que a gente já nasce montado num bagual”? Aquilo fez meu pai chorar, e o pedaço em que falas que “por baixo do poncho também bate um coração?” Tu tá tirando o cu da reta, tchê?”- e me aponta o dedo, de bombachas e faca de prata. “Não fui eu não, mas...viva o Olívio Dutra!...”
E há mais. Um deles é sobre “Amores mal Resolvidos” onde acho frases profundas como “Você sabe, o amor acaba.” Ou “dor de cotovelo é quando o amor é interrompido antes que se esgote”...E há um outro chamado “Crônica do Amor Louco”, onde leio “pálido de espanto”: “O amor não é chegado em fazer contas..” ou “quando a mão dele toca tua nuca, tu derretes feito manteiga” ou “Ah...o amor, essa raposa...”
Sei que outros escritos fantasmas virão, mas saibam que sé existo mesmo nas paginas dos jornais onde tenho coluna pelo país afora e que a Internet é um deserto virtual, sem chão, onde as individualidades se dissolvem e eu viro um nome sem corpo...
Por isso, vou dar um conselho aos meus “ghost-writers”: Sejam vocês mesmos! Apareçam na Internet, “bloguem-se”, “orkustem-se”, “spamem” suas almas líricas, sem receio ou pudor. Lembrando-me daquele japonês chamado Aki Sujiro, eu aqui sugiro alguns teminhas, para vocês glosarem.
Aqui vão: “Tudo sobre minha mãe” , como no filme do Almodóvar, ou “Confissões de um menino no porão ou o dia em que dei num troca-troca”, ou até um texto de cunho mais folclórico e regional: “Em trilha de paca, tatu caminha dentro?”
Não temam, rapazes, não se escondam - expressem-se!

Arnaldo Jabor

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