segunda-feira, 31 de março de 2008

Cara?!
meu saco,
Anda muuuuiiiitooooo CHEIO esses dias....

Diálogo



Vê como o verão
subitamente
se faz água no teu peito,
e a noite se faz barco,
e minha mão marinheiro.

Eugénio de Andrade


- Desta vez, da proa do meu navio avistei o Éden desenhado em mapa pelos mistérios do teu corpo, que eu avistava entre as margens da consciência.

- Desta vez, meu amor, farei do meu corpo farol de luz, branco como os primeiros dias da madrugada do mundo.

- Desta vez, quero descobrir os recantos secretos, quando te beijar o corpo nu e fizer "da minha mão marinheiro" nos teus mares.

- Desta vez, meu amor, serei água nos teu lábios, fonte descoberta, barco de madeira em viagem eterna.

Todas as noites..todos os dias..

domingo, 30 de março de 2008

Noções



Entre mim e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.

Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que
a atinge.

Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se
encontram.

Virei-me sobre a minha própria existência, e contemplei-a
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.

Ó meu Deus, isto é a minha alma:
qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e
precário,
como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e
inúmera...

sexta-feira, 28 de março de 2008

UM ROSTO




Apenas uma coisa inteiramente transparente
o céu, e por baixo dele a linha obscura do horizonte
nos teus olhos, que pude ver ainda
através de pálpebras semicerradas, pestanas húmidas
da geada matinal, uma névoa de palavras murmuradas
num silêncio de hesitações. Há quanto tempo,
tudo isto? Abro o armário onde o tempo antigo
se enche de bolor e fungos; limpo os papéis,
cartas que talvez nunca tenha lido até ao fim, foto-
grafias cuja cor desaparece, substituindo os corpos
por manchas vagas como aparições; e sinto, eu
próprio, que uma parte da minha vida se apaga
com esses restos.

terça-feira, 25 de março de 2008

Poética



Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

sábado, 22 de março de 2008

Desencanto



Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

sexta-feira, 21 de março de 2008

O último poema



Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Profundamente



Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes, cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam, errantes

Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.

*


Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.


Texto extraído do livro "Antologia Poética - Manuel Bandeira", Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro, 2001, pág. 81.

Manuel Bandeira: sua vida e sua obra estão em "Biografias".

domingo, 16 de março de 2008

Frases soltas John Milton



Onde há uma grande vontade de aprender,
haverá necessariamente muita discussão,
muita escrita, muitas opiniões;
pois as opiniões de homens bons
são apenas conhecimento em bruto.

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A mente não deve ser modificada pelo tempo e pelo lugar.
A mente é o seu próprio lugar, e dentro de si...
Pode fazer um inferno do céu, do céu um inferno.

John Milton

quarta-feira, 12 de março de 2008

Recebido Numa Estranha Concha / On receiving a curious Shell



Terias tu, das minas de Golconda, a gema
Pura como uma gota de orvalho congelada na montanha?
Cintilante como o verde "diadema" do beija-flor,
Quando paira sob um raio de sol refletido pela fonte?

Terias a taça apropriada para o tinto vinho efervescente?
A taça perfeita, maciça, consistente e dourada?
E esplendidamente gravada com a divina história
De Armida, a bela; e Rinaldo, o audaz?

Terias um corcel de bastas crinas esvoaçantes?
Uma espada com que te defenderes dos inimigos ferozes?
Um trompete a ressoar lindas melodias?
Estando tu protegido pelo escudo do deus Britomartis?

O que é isto que cinge estes teus bravos ombros,
Estampado de adornos que rivalizam com as flores primaveris?
Seria um lenço que alguma elegante dama te ofertou ?
E tu te apressas tanto em devolvê-lo?

Ah! O gentil Sir Knight está te coroando
Com as mãos repletas de glórias que iluminam a tua juventude!
E eu te direi do meu contentamento infinito
Pelos mágicos poderes que, verdadeiramente, te abençoam.

Neste pergaminho está escrita, em caracteres dourados,
A lenda da grinalda e da corrente;
É a saga de um guerreiro que cuida do seu raro tesouro
Assim como eu liberto minha alma dos grilhões da dor.

Neste dossel está escrito: Isto é a obra de uma fada;
Sob sua rica proteção o Rei Oberon desfaleceu,
Quando a adorável Titania foi-se para bem distante,
Abandonando-o, cruelmente, para a dor e a agonia.

Ali, muitas vezes, ele alcançaria um pouco de trégua,
Mercê de heróico estoicismo e extasiado pelo canto dos rouxinóis;
Pois os prodigiosos espíritos celestiais estavam mudos;
Ali, lágrimas cristalinas confundiram-se, muitas vezes com o orvalho da manhã.

Sob este pálio pequenino, todas aquelas melodias estranhas,
Suaves, melancólicas e comoventes, soarão para sempre;
E jamais aquelas notas de ternura haverão de se modificar;
Nem nunca morrerá a música de Oberon.

Portanto, quando voluptuoso se encontra o meu espírito,
Reclino minha cabeça nas macias pétalas das rosas,
E escuto a lenda da grinalda e da corrente,
Até que desapareça o seu eco; então eu adormeço.

Adeus, valente Érico! Com tua cabeça coroada,
Por mãos repletas de glórias que iluminam a tua juventude,
Eu também me sinto infinitamente feliz
Pelos mágicos poderes que, verdadeiramente, te abençoam.

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On receiving a curious Shell

HAST thou from the caves of Golconda, a gem
Pure as the ice-drop that froze on the mountain?
Bright as the humming-bird’s green diadem,
When it flutters in sun-beams that shine through a fountain?

Hast thou a goblet for dark sparkling wine?
That goblet right heavy, and massy, and gold?
And splendidly mark’d with the story divine
Of Armida the fair, and Rinaldo the bold?

Hast thou a steed with a mane richly flowing?
Hast thou a sword that thine enemy’s smart is?
Hast thou a trumpet rich melodies blowing?
And wear’st thou the shield of the fam’d Britomartis?

What is it that hangs from thy shoulder, so brave,
Embroidered with many a spring peering flower?
Is it a scarf that thy fair lady gave?
And hastest thou now to that fair lady’s bower?

Ah! courteous Sir Knight, with large joy thou art crown’d;
Full many the glories that brighten thy youth!
I will tell thee my blisses, which richly abound
In magical powers to bless, and to sooth.

On this scroll thou seest written in characters fair
A sun-beamy tale of a wreath, and a chain;
And, warrior, it nurtures the property rare
Of charming my mind from the trammels of pain.

This canopy mark: ’tis the work of a fay;
Beneath its rich shade did King Oberon languish,
When lovely Titania was far, far away,
And cruelly left him to sorrow, and anguish.

There, oft would he bring from his soft sighing lute
Wild strains to which, spell-bound, the nightingales listened;
The wondering spirits of heaven were mute,
And tears ’mong the dewdrops of morning oft glistened.

In this little dome, all those melodies strange,
Soft, plaintive, and melting, for ever will sigh;
Nor e’er will the notes from their tenderness change;
Nor e’er will the music of Oberon die.

So, when I am in a voluptuous vein,
I pillow my head on the sweets of the rose,
And list to the tale of the wreath, and the chain,
Till its echoes depart; then I sink to repose.

Adieu, valiant Eric! with joy thou art crown’d;
Full many the glories that brighten thy youth,
I too have my blisses, which richly abound
In magical powers, to bless and to sooth.

From the same Ladies.

domingo, 9 de março de 2008

SUBITAMENTE SURGE. TEM O TEU ROSTO




O paraíso terrestre é uma flor verde.
As árvores abrem-se ao meio.
O que é sucessivo perde-se.
Se o tempo modifica os seres e os objectos
eu sinto a diferença e gasto-me.
O sol é um erro de gramática, a luz da madrugada
uma folha branca à transparencia da lampada.
Soam então os barulhos. Soam
de dentro das janelas,
de dentro das caixas fechadas há mais tempo,
de dentro das chavenas meias de café.
É tarde e és tu,
acima de tudo,
entre a manhã e as árvores,
à luz dos olhos,
à luz só do límpido olhar.

quinta-feira, 6 de março de 2008

COMO DIZIA O POETA



Quem já passou
Por esta vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá
Pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou
Pra quem sofreu, ai

Quem nunca curtiu uma paixão
Nunca vai ter nada, não

Não há mal pior
Do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa
É melhor que a solidão

Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir?
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer

Ai de quem não rasga o coração
Esse não vai ter perdão

RGE – 1971

domingo, 2 de março de 2008

A ESTRELA



Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.

Manuel Bandeira

sábado, 1 de março de 2008

Quando estou só reconheço



Quando estou só reconheço
Se por momentos me esqueço
Que existo entre outros que são
Como eu sós, salvo que estão
Alheados desde o começo.

E se sinto quanto estou
Verdadeiramente só,
Sinto-me livre mas triste.
Vou livre para onde vou,
Mas onde vou nada existe.

Creio contudo que a vida
Devidamente entendida
É toda assim, toda assim.
Por isso passo por mim
Como por cousa esquecida.

Fernando Pessoa

Frases soltas de Frost



Um diplomata é aquele que se lembra sempre do aniversário de uma mulher, mas nunca da sua idade.


O amor é o desejo irresistível de ser irresistivelmente desejado.

O cérebro é um órgão maravilhoso. Começa a funcionar assim que você se levanta da cama e não pára até você chegar ao escritório.

Um júri é um grupo de pessoas escolhidas para decidir quem tem o melhor advogado.

Um banco é um estabelecimento que nos empresta um guarda-chuva num dia de sol e nos pede de volta quando começa a chover.

O mundo está cheio de pessoas com vontade; algumas com vontade de trabalhar e as outras com vontade de as deixar trabalhar.

Nunca ousei ser um radical na juventude. Tinha medo de me tornar um conservador depois de velho.

São estabelecimentos que nos emprestam um guarda-chuva num dia de sol e pede-o de volta quando começa a chover.

Trabalhando dedicadamente oito horas por dia talvez acabes em chefe a trabalhar doze horas por dia.

Uma ideia é um feito de associação.

Robert Frost