sexta-feira, 30 de abril de 2010

Saudade



Alguma vez soubeste o que é saudade,
que faz da nossa vida uma agonia?
Alguma vez no espaço dum só dia,
sonhaste percorrer a eternidade?

Perdeste alguma vez a Liberdade?
Sentiste emurchecer tua alegria,
como ao cair da noite murcha o dia,
no derradeiro tom da claridade?...

Se nunca presumiste o que era amor,
despindo as galas e vestindo a dor,
se uma saudade, enfim, não conheceste,

não saias do limite da razão
para atender a voz do coração,
que o maior mal ainda o não sofreste!...

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Que poderei de mim mais arrancar


Que poderei de mim mais arrancar
P'ra suportar o dom da tua mão,
Anjo rubro do vento e solidão
Que me trouxeste o espaço,o deus e o mar?

No céu, a linha última das casas
É já azul, alada, imensa e leve.
Nenhum gesto, nenhum destino é breve
Porque em todos estão inquietas asas.

Depois ao pôr do sol ardem as casas,
O céu e o fogo passam pela terra,
E a noite negra vem cheia de brasas
Num crescendo sem fim que nos desterra.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Perplexidade



Hesito no caminho.
Ninguém segue este rumo...
É noutra direcção
Que o vento leva o fumo
Das paixões...
Chegar, sei que não chego,
De nenhuma maneira;
Mas queria ao menos ir no lírico sossego
De quem não se enganou na estrada verdadeira.

E não vou.
Cada vez mais sozinho
Na solidão,
Duvido da certeza dos meus passos.
Vejo a sede ancestral da multidão
Voltar costas às fontes que pressinto,
E fico na mortal indecisão
De afirmar ou negar o cego instinto
Que me serve de guia e de bordão.

terça-feira, 27 de abril de 2010

O mundo estava no rosto da amada -


O mundo estava no rosto da amada -
e logo converteu-se em nada, em
mundo fora do alcance, mundo-além.

Por que não o bebi quando o encontrei
no rosto amado, um mundo à mão, ali,
aroma em minha boca, eu só seu rei?

Ah, eu bebi. Com que sede eu bebi.
Mas eu também estava pleno de
mundo e, bebendo, eu mesmo transbordei.

(Tradução: Augusto de Campos)

domingo, 25 de abril de 2010

Este é o poema de amor




Este é o poema do amor.
O poema que o poeta propositadamente escreveu
só para falar de amor,
de amor,
de amor,
de amor,
para repetir muitas vezes amor,
amor,
amor,
amor.
Para que um dia, quando o Cérebro Electrónico
contar as palavras que o poeta escreveu,
tantos que,
tantos se,
tantos lhe,
tantos tu,
tantos ela,
tantos eu,
conclua que a palavra que o poeta mais vezes escreveu
foi amor,
amor,
amor.
Este é o poema do amor.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Sobre casamento



É bom atentar para o que o papa diz. Porta-voz de Deus na Terra, ele só pensa pensamentos divinos. Nós, homens tolos, gastamos o tempo pensando sobre coisas sem importância tais como o efeito estufa e a possibilidade do fim do mundo. O papa vai direto ao que é essencial: “O segundo casamento é uma praga!”
Está certo. O casamento não pertence à ordem abençoada do paraíso.

No paraíso não havia casamento. Na Bíblia não há indicação de que as relações amorosas entre Adão e Eva tenham sido precedidas pelo cerimonial a que hoje se dá o nome de casamento: o Criador, celebrante, Adão e Eva nus, de pé, diante de uma assembléia de animais, tudo terminando com as palavras sacramentais: “E eu, Jeová, vos declaro marido e mulher. Aquilo que eu ajuntei os homens não podem separar…”

Os casamentos, o primeiro, o segundo, o terceiro, pertencem à ordem maldita, caída, praguejada, pós-paraíso. Nessa ordem não se pode confiar no amor. Por isso se inventou o casamento, esse contrato de prestação de serviços entre marido e mulher, testemunhado por padrinhos, cuja função é, no caso de algum dos cônjuges não cumprir o contrato, obrigá-lo a cumpri-lo.

Foi um padre que me ensinou isso. Ele celebrava o casamento. E foi isso que ele disse aos noivos: “O que vos une não é o amor. O que vos une é o contrato”. Aprendi então que o casamento não é uma celebração do amor. É o estabelecimento de direitos e deveres. Até as relações sexuais são obrigações a ser cumpridas.
Agora imaginem um homem e uma mulher que muito se amam: são ternos, amigos, fazem amor, geram filhos.

Mas, segundo a igreja, estão em estado de pecado: falta ao relacionamento o selo eclesiástico legitimador. Ele, divorciado da antiga esposa, não pode se casar de novo porque a igreja proíbe a praga do segundo casamento. Aí os dois, já no fim da vida, são obrigados a se separar para participar da eucaristia: cada um para um lado, adeus aos gestos de ternura… Agora está tudo nos conformes. Porque Deus não enxerga o amor. Ele só vê o selo eclesial.

O papa está certo. O segundo casamento é uma praga. Eu, como já disse, acho que todos são uma praga, por não ser da ordem paradisíaca, mas da maldição. O símbolo dessa maldição está na palavra “conjugal”: do latim, “com”= junto e “jugus”= canga. Canga, aquela peça pesada de madeira que une dois bois. Eles não querem estar juntos. Mas a canga os obriga, sob pena do ferrão…

Por que o segundo casamento é uma praga? Porque, para havê-lo, é preciso que o primeiro seja anulado pelo divórcio. Mas, se a igreja admitir a anulação do primeiro casamento, terá de admitir também que o sacramento que o realizou não é aquilo que ela afirma ser: um ato realizado pelo próprio Deus. Permitir o divórcio equivale a dizer: o sacramento é uma balela. Donde, a igreja é uma balela… Com o divórcio ela seria rebaixada do seu lugar infalível e passaria a ser apenas uma instituição falível entre outras. A igreja não admite o divórcio não é por amor à família. É para manter-se divina…

A igreja, sábia, tratou de livrar seus funcionários da maldição do amor. Proibiu-os de se casarem. Livres da maldição do casamento, os sacerdotes têm a suprema felicidade de noites de solidão, sem conversas, sem abraços e nem beijos. Estão livres da praga…”

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Ainda que mal


Ainda que mal pergunte,
ainda que mal respondas;
ainda que mal te entenda,
ainda que mal repitas;
ainda que mal insista,
ainda que mal desculpes;
ainda que mal me exprima,
ainda que mal me julgues;
ainda que mal me mostre,
ainda que mal me vejas;
ainda que mal te encare,
ainda que mal te furtes;
ainda que mal te siga,
ainda que mal te voltes;
ainda que mal te ame,
ainda que mal o saibas;
ainda que mal te agarre,
ainda que mal te mates;
ainda assim te pergunto
e me queimando em teu seio,
me salvo e me dano: amor.

In As Impurezas do Branco, 1973

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Viagem longa, destino incerto...


Esse é o mês em que sofro mais por causa de vocês, moços. Tenho dó. Ainda nem deixaram de ser adolescentes, e já são obrigados a comprar passagens para um destino desconhecido, passagens só de ida, as de volta são difíceis, raras, há uma longa lista de espera. Alguns me contestam: afirmam saber muito bem o lugar para onde estão indo. Assim são os adolescentes: sempre têm os bolsos cheios de certezas. Só muito tarde descobrem que certezas valem menos que um tostão.

Seria muito mais racional e menos doloroso que vocês fossem obrigados agora a escolher a mulher ou o marido. Hoje casamento é destino para o qual só se vende passagem de ida e volta. É muito fácil voltar ao ponto de partida e recomeçar: basta que os sentimentos e as idéias tenham mudado.

Mas a viagem para a qual vocês estão comprando passagens dura cinco anos, pelo menos. E se depois de chegar lá vocês não gostarem? Nada garante...Vocês nunca estiveram lá. E se quiserem voltar? Não é como no casamento. É complicado. Leva pelo menos outros cinco anos para chegar a um outro lugar, com esse bilhete que se chama vestibular e essa ferrovia que se chama universidade. E é duro voltar atrás, começar tudo de novo. Muitos não têm coragem para isso, e passam a vida inteira num lugar que odeiam, sonhando com um outro.

Em Minas, onde nasci, se diz que para se conhecer uma pessoa é preciso comer um saco de sal com ela. Os apaixonados desacreditam. Quem é acometido da febre da paixão desaprende a astúcia do pensamento, fica abobalhado, e passa a repetir as asneiras que os apaixonados têm repetido pelos séculos afora: "Ah! mãe, ele é diferente..." "Eu sei que o meu amor por ela é eterno. Sem ela eu morro..." E assim se casam, sem a paciência de comer um saco de sal. Se tivessem paciência descobririam a verdade de um outro ditado: "Por fora bela viola; por dentro pão bolorento..."

Coisa muito parecida acontece com a profissão: a gente se apaixona pela bela viola, e só tarde demais, no meio do saco de sal, se dá conta do pão bolorento.

O Pato Donald arranjou um emprego de porteiro, num edifício de ricos. Sentiu-se a pessoa mais importante do mundo e estufou o peito por causa do uniforme que lhe deram, cheio de botões brilhantes, fios dourados e dragonas...

Acontece assim também na escolha das profissões: cada uma delas tem seus uniformes multicoloridos, seus botões brilhantes, fios dourados e dragonas. Veja, por exemplo, o fascínio do uniforme do médico. Por razões que Freud explica qualquer mãe e qualquer pai desejam ter um filho médico. Lembram-se da "Sociedade dos Poetas Mortos"? O pai do jovem ator queria, por tudo nesse mundo, que o filho fosse médico. E ele não está sozinho. O médico é uma transformação poética do herói Clint Eastwood: o pistoleiro solitário, apenas com sua coragem e o seu revólver, entra no lugar da morte, para travar batalha com ela. Como São Jorge. O médico, em suas vestes sacerdotais verdes, apenas os olhos se mostrando atrás da máscara, a mão segurando a arma, o bisturi, o sangue escorrendo do corpo do inocente, em luta solitária contra a morte. Poderá haver imagem mais bela de um herói?

Todas as profissões têm seus uniformes, suas belas imagens, sua estética. Por isso nos apaixonamos e compramos o bilhete de ida... Mas a profissão não é isso. Por fora bela viola, por dentro pão bolorento...

Uma amiga me contou, feliz, que uma parente querida havia passado no vestibular de engenharia. "Que engenharia?", perguntei. "Civil", ela respondeu. "Por que esta escolha?" — insisti. "É que ela gosta muito de matemática". Pensei então na bela imagem do engenheiro — régua de cálculo, compasso e prumo nas mãos, em busca do ponto de apoio onde a alavanca levantaria o mundo! "Se ela tanto ama a matemática talvez tivesse feito melhor escolha estudando matemática".

Engenheiro, hoje, mexe pouco com matemática. Tudo já está definido em programas de computador. O dia a dia da maioria dos engenheiros é tomar conta de peão em canteiro de obra..."

Isso vale para todas as profissões. É preciso perguntar: "Como será o meu dia a dia, enquanto como o saco de sal que não se acaba nunca?"

Mas há outros destinos, outros trens. Não é verdade que o único caminho bom seja o caminho universitário. Acho que poucos jovens sequer consideram tal possibilidade. É que eles se comportam como bando de maritacas: onde vai uma vão todas. Não podem suportar a idéia de ver o "bando" partindo, enquanto ele não embarca, e fica sozinho na plataforma da estação...

Deixo aqui, como possibilidade não pensada, este poema de Walt Whitman, o poeta da "Sociedade dos Poetas Mortos":

"Em nome de vocês...
Que ao homem comum ensinem
a glória da rotina e das tarefas
de cada dia e de todos os dias;
que exaltem em canções
o quanto a química e o exercício
da vida não são desprezíveis nunca,
e o trabalho braçal de um e de todos
— arar, capinar, cavar,
plantar e enramar a árvore,
as frutinhas, os legumes, as flores:
que em tudo isso possa o homem ver
que está fazendo alguma coisa de verdade,
e também toda mulher
usar a serra e o martelo
ao comprido ou de través,
cultivar vocações para a carpintaria,
a alvenaria, a pintura,
trabalhar de alfaiate, costureira,
ama, hoteleiro, carregador,
inventar coisas, coisas engenhosas,
ajudar a lavar, cozinhar, arrumar,
e não considerar desgraça alguma
dar uma mão a si próprio."

Desejo a vocês uma boa viagem. Lembrem-se do dito do João: "A coisa não está nem na partida e nem na chegada, mas na travessia..." Se, no meio da viagem, sentirem enjôo ou não gostarem dos cenários, puxem a alavanca de emergência e caiam fora. Se, depois de chegar lá, ouvirem falar de um destino mais alegre, ponham a mochila nas costas, e procurem um outro destino. Carpe Diem!


Esse texto foi retirado do livro "Estórias de quem gosta de ensinar — O fim dos Vestibulares", editora Ars Poetica — São Paulo, 1995, pág. 37.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Dez Coisas que Levei Anos Para Aprender



1. Uma pessoa que é boa com você, mas grosseira com o garçom, não pode ser uma boa pessoa.

2. As pessoas que querem compartilhar as visões religiosas delas com você, quase nunca querem que você compartilhe as suas com elas.

3. Ninguém liga se você não sabe dançar. Levante e dance.

4. A força mais destrutiva do universo é a fofoca.

5. Não confunda nunca sua carreira com sua vida.

6. Jamais, sob quaisquer circunstâncias, tome um remédio para dormir e um laxante na mesma noite.

7. Se você tivesse que identificar, em uma palavra, a razão pela qual a raça humana ainda não atingiu (e nunca atingirá) todo o seu potencial, essa palavra seria "reuniões".

8. Há uma linha muito tênue entre "hobby" e "doença mental".

9. Seus amigos de verdade amam você de qualquer jeito.

10. Nunca tenha medo de tentar algo novo. Lembre-se de que um amador solitário construiu a Arca. Um grande grupo de profissionais construiu o Titanic.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

NIRVANA




Para além do Universo luminoso,
Cheio de formas, de rumor, de lida,
De forças, de desejos e de vida,
Abre-se como um vácuo tenebroso.

A onda desse mar tumultuoso
Vem ali expirar, esmaecida…
Numa imobilidade indefinida
Termina ali o ser, inerte, ocioso…

E quando o pensamento, assim absorto,
Emerge a custo desse mundo morto
E torna a olhar as coisas naturais,

A bela luz da vida, ampla, infinita,
Só vê com tédio, em tudo quanto fita,
A ilusão e o vazio universais.

domingo, 18 de abril de 2010

phrase


Não devemos ter medo de inventar seja o que for. Tudo o que existe em nós existe também na natureza, pois fazemos parte dela.

Pablo Picasso

sábado, 17 de abril de 2010

Phrase


"O que a memória ama, fica eterno.
Te amo com a memória, imperecível."

Cantem outros a clara cor virente



Cantem outros a clara cor virente
Do bosque em flor e a luz do dia eterno...
Envoltos nos clarões fulvos do oriente,
Cantem a primavera: eu canto o inverno.
Para muitos o imoto céu clemente
É um manto de carinho suave e terno:
Cantam a vida, e nenhum deles sente
Que decantando vai o próprio inferno.

Cantem esta mansão, onde entre prantos
Cada um espera o sepulcral punhado
De úmido pó que há de abafar-lhe os cantos...

Cada um de nós é a bússola sem norte.
Sempre o presente pior do que o passado.
Cantem outros a vida: eu canto a morte...

figure: In: photobucet - By Nimby33

quarta-feira, 14 de abril de 2010

ENREDO PARA UM TEMA

Ele me amava, mas não tinha dote,
só os cabelos pretíssimos e um beleza
de príncipe de estórias encantadas.
Não tem importância, falou a meu pai,
se é só por isto, espere.
Foi-se com uma bandeira
e ajuntou ouro pra me comprar três vezes.
Na volta me achou casada com D. Cristóvão.
Estimo que sejam felizes, disse.
O melhor do amor é sua memória, disse meu pai.
Demoraste tanto, que...disse D. Cristóvão.
Só eu não disse nada,
nem antes, nem depois.

sábado, 3 de abril de 2010

Chamo-Te



Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio
E suportar é o tempo mais comprido.

Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,
Que um só dos teus olhares me purifique e acabe.

Há muitas coisas que eu quero ver.

Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo.
E que o teu reino antes do tempo venha.
E se derrame sobre a Terra
Em primavera feroz pricipitado.